As novidades sobre as atuais escolas bilíngues para surdos e
as que virão ser abertas em breve aqui no Brasil pelo Movimento Surdo que luta
pelas escolas bilíngues me emociona bastante, parece que volto a mexer no baú
da minha vida.
Hoje tenho 27 anos e tive a oportunidade de estudar numa
escola bilíngue Durante meu período escolar sempre me foi oferecido a
oportunidade de aprender a Língua de Sinais presente e a Língua Portuguesa
simultaneamente. Ambos os aprendizados foram devidamente valorizados, o que
nunca me acarretou problemas de comunicação.
Com apenas oito meses de idade ingressei na escola Helen
Keller, de Caxias do Sul, uma grande referência educacional em todo o Brasil
por ser uma das primeiras escolas bilíngue do país. Fiz deste o primário,
passando pelo ensino fundamental e conclui com o ensino médio no Helen Keller,
num total de 17 anos. Considero a escola uma segunda casa para mim, onde fiz
boas amizades, tive ótimos professores ouvintes que tinham bom conhecimento da
Língua de Sinais e a Educação de Surdos com instrutores de Libras. (Na época os
professores surdos eram reconhecidos como instrutores, graças a lei 10.436,
atualmente podemos ser reconhecidos como professores),
Com quatro anos de idade tive o primeiro professor surdo que
foi um grande exemplo e inspiração para mim. Os professores ouvintes que se
esforçavam para que os alunos surdos pudessem aprender a Língua Portuguesa sem
trazer prejuízos a primeira língua de surdos, a Língua de Sinais.
Com cinco anos, meus pais me matricularam numa escola
regular, particular e bem renomada em Caxias do Sul, onde minhas irmãs que são
ouvintes também estudaram. O objetivo de meus pais foi verificar se eu me
adaptaria na nova escola, porque eu era a única da minha turma no Helen Keller
que sabia escrever, falar e fazer leitura labial. Na escola de ouvintes eu
fiquei isolada, e mesmo com cinco anos, já tinha pleno domínio da Língua de
Sinais. Foi então que chegamos à conclusão que não iria me adaptar na escola de
ouvinte e fiquei na escola de surdos.
Estudar numa escola de surdos com outros surdos é algo
fantástico e uma experiência única, o que ajuda a construir uma Sociedade de
Surdos ainda mais forte. É um direito de toda criança surda ter a oportunidade
de conhecer a riqueza da Língua de Sinais e criar a sua identidade surda.
Crianças surdas que são incluídas em escolas regulares é um
processo muito difícil. A maioria não consegue se adaptar e são poucos que
conseguiram ter sucesso em escolas de inclusão. Conheci muitas escolas de
inclusão e seus alunos surdos, com vários relatos dos mesmos que não estão
felizes e satisfeitos e que gostariam de estudar numa escola para surdos. Quando
olho aos olhos das crianças surdas que estudam na escola inclusiva eu já sei as
respostas...
Tive grandes professores que marcaram minha vida escolar,
entre eles, Mônica Duso, Isabel Sirtori, Carlos Skliar, Ronice Quadros e tantos
outros. Destaco também a fonoaudióloga Terezinha, com quem aprendi a leitura
labial e a escrever. Na escola aprendi a me tornar independente e desenvolvi
uma liderança, buscando os direitos e uma educação de qualidade a todos os
surdos.
Orgulho-me muito em ser professora da Língua de Sinais para
surdos e ouvintes e de Língua Portuguesa para surdos, mas, a minha primeira
língua é a Língua de Sinais, a qual amo muito e incentivo as crianças surdas a
terem as mesmas oportunidades. Sei que ainda tenho muito a aprender na Língua
Portuguesa, estou sempre buscando aperfeiçoar a minha ortografia e gramática.
A minha aquisição da Língua Portuguesa foi espontânea, com a
fonoaudióloga, na escola e principalmente em minha casa, onde meus pais e irmãs
me incentivaram muito nas leituras e fixavam cartazes com letras, verbos e
palavras novas nas paredes da casa. Havia sempre gibis, revistas e jornais,
então a prática de leitura era sempre constante. Na escola, numa prova de
verbos, meu resultado foi ruim, e para me ajudar, minha irmã mais velha criou
os cartazes com verbos e colou na parede da cozinha. Conclusão: fiz novamente a
prova, tirei a melhor nota da turma. A minha irmã do meio fez pós em Educação
de Surdos e trabalhou como professora de Português para surdos durante algum
tempo.
Atualmente estou na ativa nos movimentos de educação
bilíngüe para surdos, uma causa justa e dedico meu tempo e energia aos
movimentos porque entendo perfeitamente como é estudar numa escola somente para
surdos. Tive grandes apoios e incentivos dos professores e de minha família
também. Meus familiares participaram ativamente e sempre estiveram presentes,
sendo que meus pais foram presidentes do Conselho de Pais e Clube das Mães. Em
minha opinião é fundamental os pais estarem presentes na escola dos filhos,
independentes de serem surdos ou ouvintes.
O apoio familiar é algo muito importante além da escola. Não
somente pelos apoios da escola e da família, e sim porque eu quis lutar e me
esforçar para dar sempre o melhor de mim. Meu mérito for ser uma criança muito
ativa, feliz e curiosa, sempre procurando saber sobre tudo e sobre todos. Minha
família sabia se comunicar comigo com a Língua de Sinais e com a leitura labial
também, mesmo que todos os meus familiares fossem ouvintes, eu nunca era
deixada de fora. Tenho uma grande prima que andou comigo toda a nossa infância
e que sabe a Língua de Sinais e foi meu porto seguro em algumas ocasiões.
A minha mãe, que admiro muito por ser uma mulher batalhadora
e mesmo com poucas oportunidades de estudo, sempre me incentivou para concluir
meus estudos e realizar meus sonhos. Certa vez uma vizinha perguntou a ela
porque ela cantava para eu dormir se eu não ouvia, e ela respondeu: “cantei
para minhas duas filhas ouvintes e canto para a Carilissa também porque é minha
filha”. Isso mostra a mãe que tenho que nunca me tratou diferente das minhas
irmãs mais velhas.
Minha mãe sempre me falou que eu valia por cinco crianças,
era inquieta, sempre curiosa, e ficava irritada quando não entendia os diálogos
na televisão. Minha mãe sempre me interpretava tudo que era exibido na TV, até
que um dia ela se cansou e fez um acordo com minhas irmãs e pai: cada dia um
deles me interpretava até que eu conseguisse fazer a leitura labial pela TV, e
uns 10 anos depois vieram as legendas, um movimento que eu ajudei bastante pela
campanha “Legendas para quem não ouve, mas se emociona!”.
Durante minha infância tive muitas crises de asma, o que me
fazia ser hospitalizada muitas vezes. Meus professores iam ao hospital entregar
as atividades para que eu pudesse estudar e não perder o ano. Graças ao apoio
dos professores que tive nunca repeti um ano. Isso me fez desenvolver um grande
afeto e carinho por eles, os quais eu considero como uma parte de minha família
e no qual ainda hoje mantemos contato, depois de tantos anos.
Meus pais aprenderam a Língua de Sinais quando eu tinha
quatro anos de idade, porque se sentiam excluídos, quando meus amigos surdos
iam à minha casa, e só nos comunicávamos com a Língua de Sinais. Minha mãe
sofre de reumatismo, o que dificulta sua habilidade em usar as mãos com a
Língua de Sinais, mas mesmo assim ela nunca me deixou de fora, e o meu pai é um
homem com grande conhecimento cultural. Quando eu era criança, meu pai me
apresentava tudo e me levava a vários lugares onde eu aprendia os nomes das
coisas, e ele incansável, sempre repetia os nomes em Língua de Sinais e em
Português.
Minha filha Sofia tem quatro anos de idade e sabe a Língua
de Sinais. Por passar mais tempo com ele, ela aprende mais com meu pai e com a minha mãe também, do que
comigo. Certa vez na escolinha, onde ela estuda, numa aula de inglês, a turma
aprendeu os nomes dos animais em inglês e ela ensinava os sinais de animais aos
colegas, o que me deixa toda orgulhosa e imensamente feliz!
Ah, me empolgo demais escrevendo sobre mim e acho que
termino por aqui, senão fica parecendo um livro, risos...
Finalizo: ESCOLA BILÍNGUE É A FORMA DE EDUCAÇÃO IDEAL PARA O
SURDO.
Duas primeiras fotos, eu com a minha Língua de Sinais e a foto maior a minha festa de 3 anos na Sociedade dos Surdos de Caxias do Sul, já fazia parte da sociedade! Baita orgulho!
Ainda não tenho leituras consubstanciais sobre o tema, assim como a maioria das pessoas inseridas na sociedade ouvinte em que nos encontramos. No entanto, é necessário nos atermos aos contextos bi/multilíngues de minorias para que o mapa da educação nesses cenários seja desvelado, venha à superfície e possa ter visibilidade. Parabéns!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQuerida, tinha vontade ler alguém blog então entrei li seu blog me emocionei tudo é fato porque já convivência com contigo desde infância, adolescente e atual.. Tu merece!
ResponderExcluirTambém parecida história eu e outros surdos sofre por causa comunicação principalmente infância por causa não tem legendas imagina os primos não usava língua de sinais como brincar? É complicado como primos capazes apronta muita coisas algumas surdos aconteceu e outros não. Por isso que nós crescemos juntas mesma escola aprendemos muito com bilingue me deu transformou nova identidade como nós somos! Agora tu é mestrada e eu formada isso signfica?? coragem de estudar não desistimos NUNCA!!! Grande abraço com carinho aqui é a Jaqueline Zanchin Fetter
Exatamante a força nos torna o que somos hoje! Apoio dos colegas como nós duas! Uma é modelo de uma outra! Valeu!!!! Parabéns para nós duas pois trilhamos passos inpossiveis antes e hoje vimos que são possiveis!!!
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